7ª Lei – O Dragão da Loucura

E em minha loucura tenho falado em liberdade e segurança;

a liberdade da solidão

e a segurança de não ser compreendido,

pois aqueles que nos compreendem

escravizam uma parte de nosso ser.

Kalil Gibran

Logo que Futs-Lung, o sábio e nobre Dragão do Mundo Subterrâneo, liberou o caminho que dá acesso ao Sétimo Sendeiro, o luminoso aventureiro existencial, sentindo-se mais inteligente e tornando ainda mais agudo seu estado de alerta, decide sem titubear avançar por outro enigmático lugar.

Este sendeiro está iluminado pelos corredores de lava vulcânica que formam um labirinto misterioso, constituído por múltiplos círculos concêntricos que vão e vêm do centro à periferia, ocultando a saída final.

Por mais que o Guerreiro da Luz esteja em alerta novidade, não imagina que neste intrincado e vulcânico galimatias (discurso incompreensível) está escondido o Dragão da Loucura – o grande Senhor da Confusão, portentoso guardião que protege e esconde dos incautos a saída que dá acesso à misteriosa porta do final deste labirinto.

Nas intrincadas e lúgubres galerias de seu domínio, o Dragão da Loucura posicionou seus cruéis sequazes: os zumbis da esquizofrenia, as múmias da angústia e os fantasmas da depressão. Quando algum refulgente Quixote se atreve a avançar nesta região, eles têm a missão de criar agudos perigos temporais, onde o visitante fica preso a um pesadelo mental, no qual sentirá que não tem esperança para tentar sair vitorioso do labirinto existencial.

Assim, o resplandecente espartano inicia seu percurso caminhando pelas calcinantes pedras que flutuam demarcando o desenho do labirinto. O ambiente parece tranquilo, quando, de repente, se depara com um grupo de zumbis que o atacam imediatamente. O valente guerreiro luta em vão contra estas sombrias criaturas que têm força descomunal. Submetido, o guerreiro é levado por zumbis até um dos recôncavos onde se encontra o Dragão da Demência.

Diante do animal fabuloso, os zumbis, múmias e fantasmas iniciam um ritual macabro. Uma das múmias corta um pedaço do chifre esquerdo do dragão, e um fantasma golpeia com exatidão o entrecenho do fidalgo de luz. Da ferida na cabeça do guerreiro brota sangue em abundância, que magicamente se mescla com o fluido sanguíneo do Senhor da Confusão.

O corpo ferido do insigne cavaleiro cai em convulsões, experimentando também uma série de distúrbios e confusões mentais que geram uma espécie de sofrimento psicológico, fazendo-o sentir como um ser anormal e dividido em dois.

Este sofrimento psíquico é grave, pois o guerreiro passa por uma alteração no contato com a realidade vivida antes de ser agredido pelos asseclas do Dragão da Alienação. O Guerreiro de luz perdeu cada vez mais o controle sobre si mesmo, tanto assim que foi possuído por uma série de alucinações visuais de estupidez, guerra, violência, crueldade e barbárie.

De repente o valente existencial tenta falar, porém observa que sua voz é incompreensível e desorganizada, não dominando-a; em atitude desesperada e delirante corre freneticamente por entre as passagens do labirinto, sendo perseguido pelos fantasmas da depressão.

Sua intenção de fugir resulta em vão. Os espectros tentam capturá-lo e trazê-lo de volta à presença do enlouquecido animal fabuloso. O brilhante combatente cai exausto diante do indescritível monstro, o qual dirige sua imponente garra direita para pressionar a cabeça do combatente de luz dizendo:

Acreditaste que poderias escapar de mim ? À medida que passam os séculos, milhões de vítimas mentais caem sob as garras de meu poder.

O dragão continuou pressionando com ímpeto a cabeça do guerreiro e esta pressão lhe fez escutar vozes de crianças, gritos e lamentos; ao mesmo tempo ele vê imagens projetadas de Gengis Khan, Átila, Nero, Napoleão e Hitler. Tentando compreender esta paranoia o guerreiro pergunta:

Por que vejo algo que ninguém mais vê ? Estas fragmentadas e incompreensíveis efígies afetam minha capacidade cognitiva. Estes personagens existem ou são fruto de tua criação ?

A fantástica fera responde gritando:

Eles existiram e vivem como sementes no inconsciente dos seres humanos. As figuras que viste eram meus “prudentes devotos” que cativaram uma multidão de seguidores com conduta gregária, que fanaticamente não duvidaram em sacrificar corpos e almas como oferendas no holocausto das guerras, conquistas e invasões.

O tempo transcorria e com ele a luz do paladino se extinguia, fruto do descuido de si mesmo pela falta de força para lutar, além de ser dominado por crenças extremistas que lhe mostravam um panorama hostil e desolador. A estrutura básica de seu pensamento se fragmentava cada vez mais; e tinha dificuldade para estabelecer distinção se o que estava vivendo era real ou ilusório. O guerreiro chegou a ser assolado por sentimento de culpa de que ele era o responsável pelas guerras do mundo e suas atrocidades.

O tênue combatente, dominado por uma ansiedade excessiva, mentalmente confuso e com um discurso desorganizado, realiza um esforço sobre-humano para dar sentido à seguinte pergunta que expressa com impulso e tom muito agressivo:

Diga-me, Senhor da Anarquia, em teus domínios quem estabelece o que é normal e o que é loucura ?

Em atitude prepotente e segura o dragão responde:

A loucura ou demência é uma condição da mente humana caracterizada pelos pensamentos considerados anormais pela sociedade. Meus grandes aliados na conquista pelo domínio da mente humana são o Ódio e o Poder que geram loucuras.

O guerreiro de luz, tentando libertar-se de suas alucinações, interpela:

Quem são para ti Buda, Jesus e Zoroastro ?

Soltando uma gargalhada que estremece as estruturas do labirinto, diz o dragão:

Buda, Jesus e Zoroastro são loucos porque foram contra o que eu chamo de “normalidade das massas”.

Com a voz quase sem força o espartano interpela:

E o que se pode interpretar como normalidade das massas ?

O dragão, ferido em seu orgulho, de forma raivosa se defende contra-argumentando:

Em outras palavras, o normal em nossos tempos é ceder à corrupção da impunidade. Loucura seria ainda crer na ética, na transparência e na moral.

Enquanto ressoavam estas palavras no interior do guerreiro, ele começou a sentir uma revolução psicológica que deu início à sua retomada de forças; esta renovadora energia que vibrava no seu universo mental era a manifestação de Pistis Sophia, seu Poder Sabedoria.

Pistis Sophia transmitiu mentalmente as seguintes palavras ao guerreiro, as quais foram repetidas verbalmente por ele:

Em meio às sombras da ignorância que geram a loucura dentro de ti existe um impulso misterioso que te impele ao desconhecido. Teu lado tradicionalista observa horrorizado esta força psíquica jovem e indomada, que continua na providência para saltar no abismo luminoso do conhecimento sem um mínimo de hesitação. A loucura de teu Dragão Interior que acabas de experimentar parece fora de propósito apenas para um lado de ti mesmo, ou seja, o lado escravizado às formas, aos fatos e à ordem lógica condicionada pela ilusão humana criada por ti.

E perguntou o guerreiro:

De onde nasce este impulso dentro de meu caos existencial ?

Através do mundo do pensamento Pistis Sophia oriental o fidalgo com as seguintes asseverações:

É algo que surge do aparente nada, de um ponto de mutação, que não é loucura e sim revolução psicológica e mental que não foi preparada ou projetada antecipadamente. O Dragão da Incoerência representa teu impulso irracional que provoca grandes mudanças, a abertura de caminhos e a ampliação de teus horizontes desconhecidos.

Recuperando cada vez mais seu brilho, o combatente existencial questionou a Pistis Sophia:

Como posso recuperar minha harmonia mental ?

Ao que interpelou Pistis Sophia:

Vivenciando a Sétima Lei do Sendeiro do Dragão, cujo axioma é “Tanto na vida diária como na luta, tu deves mostrar determinação aliada à calma e à serenidade interior. Enfrenta os desequilíbrios, por piores que sejam, com a mente sem precipitação”.

Depois de ouvir estas maravilhosas palavras o Guerreiro de Luz assumiu a posição da flor de lótus, entrou em meditação e visualizou uma luz azul cheia de amor e compaixão que iluminou e penetrou a corpulenta forma do dragão.

E desde o centro de luz do resplandecente dragão surge uma tonante voz:

Sou um arquétipo ambivalente, pois não existe, no início da cada jornada de um herói como tu, garantias de chegar são e salvo, ou mesmo chegar ao fim dela. Convém no começo de cada sendeiro não negar a existência da chispa divina que habita dentro de cada um de nós, porque psicologicamente estaríamos negando todo nosso potencial quântico, que é maior que nós mesmos. Existe um risco, mas existe também um anelo de saltar ao desconhecido, motivo pelo qual te desafio a avançar com valentia rumo ao Oitavo Sendeiro.

Fernando Salazar Bañol