6ª Lei – O Dragão Polissêmico

“O que ganhamos viajando até a Lua,

se não podemos cruzar o abismo

que nos separa de nós mesmos.

Esta é a mais importante de todas

as viagens de descobrimento

e sem ela todo o resto não somente é inútil,

mas também desastroso”.

Thomas Merton

Depois de se recuperar de sua épica transformação de Dragão Sanguinário, na senda anterior, o Guerreiro da Luz retoma sua titânica jornada para enfrentar novos mistérios e desafios que o aguardam no dédalo do Sexto Caminho, o qual existe no abismo da existência humana.

Com renovada garra e confiança nos frutos de sua conquista anterior, o herói luminoso ultrapassa o desafiante umbral que dá acesso aos recônditos deste lúgubre e demoníaco lugar. Não consegue avançar muito quando de repente sua vista fica prejudicada pela ilusória neblina.

O Guerreiro tenta harmonizar sua respiração e acalmar sua mente, mas resulta em vão porque encontra, a poucos passos do portal, um dragão polissêmico (de muitos significados), que com seu hálito pestilento gera doença, dor e sofrimento.

Além de polissêmico o dragão é esquizofrênico, pois padece de sede insaciável. Por isso, quando percebe a brilhante presença do Guerreiro, decide absorver seus fluidos vitais para se emancipar de sua perene decrepitude. O mitológico animal tem o poder da policromia, mudando de cor como se fosse um camaleão gigante. Além disso é polifônico, produzindo estrondosos e pavorosos sons com os quais domina suas vítimas.

Esta polifonia escutada pelo Guerreiro leva-o a ouvir a si mesmo, induzindo-o a mergulhar numa atitude apática e inerte. Depois que o dragão polissêmico lhe absorveu a maior parte da vitalidade do corpo, o herói existencial sente dores indescritíveis e uma tortura mental com sentimentos de pânico e depressão aguda que o levam às bordas da loucura.

Assim o brilhante combatente mergulha num estado atemporal, onde somente prevalece a marginalização, o karma e o desgaste. Este é o império de Tanatos, o Senhor da Destruição, da Morte e da Impermanência das coisas.

No meio de toda esta opressão, o fidalgo tenta liberar-se desta entropia e, percebendo isso, o maléfico dragão grita de forma irônica e gargalhando:

Tua natureza é envelhecer !

O Guerreiro, sentindo-se bastante decrépito, reponde:

Não ! Quanto te derrotar conquistarei a eterna juventude !

E o dragão, exibindo a vitalidade roubada de seu imolado, diz:

Não podes fugir da velhice !

Com voz enfraquecida, quase num sussurro, o Guerreiro interpela:

Te vencerei ! Sairei deste horrendo lugar e buscarei a longínqua e milagrosa Fonte da Vida dos sábios alquimistas.

Utilizando o poder de sua polifonia o Dragão amaldiçoa com altivez:

Tua natureza é a doença !

O Guerreiro argumentou:

Não vou ficar nunca doente e não aceito teus decretos cheios de negatividade !

Enfurecido, o vitalizado Dragão manifesta:

Não podes escapar da doença ! Se tiveres sorte e encontrares a fonte mencionada pelos alquimistas, recuperando tua saúde, te advirto, nobre paladino: tua natureza também é Morrer.

Valendo-se do resto de suas forças, o preclaro combatente grita:

Não morrerei !

O Dragão, transformando-se no próprio Tanatos e demonstrando seu poder exclama:

Não podes escapulir da morte !

Dito e feito: o insigne cavalheiro começa a agonizar sentindo os estertores da morte, enquanto que o sinistro monstro, querendo torturar ainda mais sua vítima, anuncia:

Tua natureza é a impermanência, como ocorre com todas as pessoas e coisas.

Nada se conserva eternamente !

Neste instante chegam à mente do Guerreiro recordações dos momentos mais sublimes vividos com seus seres queridos, evocação que lhe dá um pouco de força. Mas esta é a efêmera pujança do apego, que ilusoriamente o leva a não abandonar a forma física e a perder-se na dimensão do esquecimento.

Sem titubear, sem nenhum tipo de piedade, o sínico dragão grita:

Vieste ao mundo com as mãos vazias e o abandonarás com os braços repletos de doentios apegos.

Exalando seu último alento, como se fosse sua última defesa, o quixote luminoso que perdeu seu brilho, fala:

O fruto de minhas boas ações são os únicos valores que levarei através do espaço e do tempo. Elas são o solo no qual me apoio e minhas armas nas quais confio para derrotar-te, pavoroso dragão !

Proferidas estas últimas palavras, o Guerreiro da Luz abandona sua forma física, sendo subitamente tomado pelos torvelinhos mentais de outro mundo desconhecido, caindo numa espécie de precipício sem fundo e influenciado por suas próprias paixões estupefacientes e alucinógenas, que o atacam com ímpetos brutais.

Neste ambiente o Guerreiro caminha distraído, sem escutar sua consciência, irreflexivo e vago. Também sofre as misérias causadas pela influência kármica de suas más tendências, sentindo o medo ilusório e o terror originários dos maus atos em suas passadas existências.

Além disso, é dominado pelo horror de reconhecer que o mundo físico é uma ilusão resultante das projeções de suas próprias formas-pensamento. Do mesmo modo é dominado pelo sentimento de pânico ao tomar consciência da ilusão efêmera da existência humana.

No exato momento em que o Guerreiro era cada vez mais escravizado pelo torpor mental desmesurado, do sonho da estupidez, gerado por este ápice de pânico que toma quase total domínio sobre a alma do valente, surge desde o centro de Luz de seu coração a sábia voz de Pistis Sophia dizendo:

Que as sombras da ignorância sejam dissipadas! Levanta-te e luta porque não chegou a hora de morrer ! Os Senhores da Lei Divina te deram uma nova oportunidade devido à grande ajuda que aportas para a humanidade !

O Guerreiro da Luz estava atônito pelo milagre, chorava e glorificava a divindade com infinita gratidão. Sem perder tempo perguntou a Pistis Sophia:

Glorioso Ser, como faço para vencer este dragão ?

Pistis Sophia respondeu:

Tens que retomar o sendeiro para lutar contra a polissêmicabesta !

O Guerreiro, quase tomado novamente pelo pânico, confessa a Ela que este sentimento nefasto quer ressuscitar dentro dele como uma ave fênix.

Com doçura e firmeza Pistis Sophia transmite estas sábias palavras:

Diz o axioma transcendental da Sexta Lei do Sendeiro do Dragão que não deves ter medo, porque o medo é uma oração com efeitos negativos. Ao sentires medo perdes a paz e a serenidade interior e, se isso acontecer, ficarás mais débil física e mentalmente. Este estado pode ser fatal e o dragão te causará a derrota. O maior vigor espiritual se encontra quando tua mente atua em “conflito zero”, com paz e serenidade interior, inclusive nos momentos mais difíceis da vida. Chegar a este nível de consciência é um dos principais sinais para encarnar a Sabedoria.

Com armas como a fé, a consciência desperta e a coragem, o gladiador luminoso se confronta com o Dragão do Sexto Sendeiro dizendo-lhe com firmeza esta reveladora mensagem:

Vou retirar da morte seu grande triunfo sobre mim, adotando o caminho contrário ao usual. Vou privar a morte de sua estranheza, frequentando-a e acostumando-me com ela. Não terei nada senão a morte em mente… Não sei onde a morte me espera, então vou esperá-la em toda parte. Praticar a morte será praticar a liberdade. Um Guerreiro que aprende como morrer psicologicamente desaprende a ser escravo da ignorância !

Enquanto eram pronunciadas estas sábias palavras, a besta apocalíptica perdia sua tenebrosa figura para transformar-se em “Fut´sLung”, o sábio e nobre Dragão do Mundo Subterrâneo, que libera o caminho que dá acesso ao Sétimo Sendeiro.

Fernando Salazar Bañol